ARGUmENto
BADLANDS - Um Parque Fictício
como a ocupação de um território pode mudar o curso da vida de uma comunidade.
Badlands, um parque fictício, é um Curta-metragem de gênero documental que tem como proposta principal registrar os impactos sociais durante o processo de criação e transformação de uma área degradada em um parque fictício e geossítio cultural.
Localizado ao centro de oito loteamentos da popular cidade-dormitório Alvorada/RS, o Parque da Solidariedade é um projeto de ações colaborativas, que vem acontecendo ao longo da última década, onde artistas e moradores transformam um terreno degradado em um parque ecológico e um museu baldio iniciado nos processos erosivos da terra.
Parque da Solidariedade
de mata nativa para terra explorada e degradada.
de terra abandonada para Parque da Solidariedade.
reflorestado com arte, sonhos e ficções.
de Parque fictício para Parque Proibido.
Parque Porque.
o Parque é Rio, é Museu Baldio.
o que sonha a cidade-dormitório?
Visando reflorestar um terreno de muitos hectares degradados por erosão e depósito irregular de lixo, desde 2015 a área alcunhada de “Parque da Solidariedade” é visitada para pesquisas, experiências participativas, mutirões de limpeza, plantio e trilhas. No local são encontradas voçorocas (Voçoroca/Boçoroca, do Tupi Guarani: terra rasgada) de expressivas dimensões que se formaram em áreas de um loteamento urbano visivelmente abandonado. O processo de abertura desse loteamento remonta ao ano de 1980, em atividades que não foram além da abertura do desmatamento para ruas e quadras. A exposição do solo aos elementos climáticos e variáveis meteorológicas favoreceu o desenvolvimento de erosões.




As voçorocas fazem parte do imaginário da população alvoradense, expressado nas falas dos moradores quando se referem a elas como os “cânions de Alvorada”. Evidenciando que a jovem cidade da região metropolitana, com apenas 58 anos de idade, já carrega em sua memória as consequências do descaso ambiental. Depois de quarenta anos de abandono após o desmatamento, o espaço foi sendo ocupado pela comunidade com arte, educação, ecologia, lazer e ações que despoluem e reflorestam, para recuperar o solo entre as nascentes do arroio Stella Maris, Feijó, da bacia hidrográfica do rio Gravataí.
Para o professor de geociências, Antonio Guerra, as terras do Parque tratam-se de badlands (terras ruins, terras baldias), um tipo de solo argiloso que sem a vegetação apresenta uma paisagem erosiva causada pela chuva e pelo vento. Para o professor Rualdo Menegat, as voçorocas do Parque da Solidariedade dificilmente poderão ser recuperadas. Para os moradores de Alvorada, as terras podem ser recuperadas através de um parque, e assim a cicatriz aberta na terra foi sendo culturalizada. A analogia entre badlands e Alvorada trata da relação entre as características do solo – terras ruins, terras baldias e terras improdutivas – e os índices sociais da cidade, que apresenta os piores números da região sul do país.
O campo atraiu diversos artistas do país inteiro, que viram no terreno degradado um cenário para suas produções cinematográficas e práticas artísticas. O Parque já foi usado como locação de curtas-metragens, videoclipes, videoartes, performances, instalações visuais e campanhas de movimentos sociais. Além de ser um espaço de reflexões críticas sobre questões ambientais urgentes, como arroios que viram esgotos, nascentes que secaram e atropelamento da fauna nativa da região.

Ironicamente, o parque fictício que tem até localização no google maps com horário de funcionamento 24 horas, segue fechado, voltando ao mesmo estágio que os proprietários o deixaram em 1980. Seria roteiro de uma distopia se não fosse real, a ação judicial fazer exatamente o contrário da lei 4.504, de 30 de novembro de -veja bem- 1964, que em seu artigo 12 diz que “À propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na Constituição Federal” e no artigo 13 que “O Poder Público promoverá a gradativa extinção das formas de ocupação e de exploração da terra que contrariem sua função social.”. Ora, que função social a empreiteira e o judiciário acreditam estar cumprindo, deixando o território parado por quarenta anos?
O Parque manifesta a vontade coletiva de converter: é criando ficções em uma cidade-dormitório que sonha acordada, que se produzem caminhos que vão em direção a utopia social e do bem viver.
A culturalização das voçorocas do Parque da Solidariedade foi uma linha de fuga que a população encontrou como alternativa de enfrentamento diante de um crime ambiental. Em 2021, após quase uma década de pesquisa, mutirões e reflorestamento, um dos membros do movimento, Marcelo Chardosim, que é artista e pesquisador independente, e tem um papel de liderança no projeto, é processado judicialmente pela empreiteira imobiliária que detém os direitos da propriedade da área em questão
Justificativa
O projeto ‘BADLANDS: um parque fictício’ possui um acervo audiovisual gigante, são muitos registros, ensaios, depoimentos e gravações experimentais. Com recursos da Lei Paulo Gustavo conseguiremos aprofundar questões e poéticas sobre o Parque-Museu. Um exemplo é o “Terra rasgada” (2021), um mini-documentário sem recursos financeiros sobre o Parque da Solidariedade a partir dos registros audiovisuais do movimento. O projeto foi dirigido por Cristyelen Ambrozio e Jonatan Tavares, e apresentado no Festival Kino Beat, em Porto Alegre, e na 3° edição do FestCine Itaúna (Aruaru/PE), onde recebeu Menção Honrosa.
BADLANDS se passa nas badlands de Alvorada, cidade da região metropolitana de Porto Alegre que carrega o estigma da violência. De acordo com os diagnósticos do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, de 2015 (SINESP), Alvorada foi a cidade da região sul do País que apresentou os piores índices sociais, aparecendo no Atlas da Violência do Brasil (2019) como a 6ª cidade mais violenta do país, a única cidade gaúcha entre 20 listadas no estudo. A violência, infelizmente, ainda faz parte da identidade do alvoradense. As ações do Parque da Solidariedade também aconteceram nos bairros inseridos no RS Seguro, como o bairro Jardim Aparecida, onde parte do Parque está inserido. Os bairros Umbu, Formosa e Maria Regina (RS Seguro) também se conectam ao parque, mas através das pessoas e ações colaborativas.
Alvorada possui baixos pontos de cultura. Não possui museus, salas de cinema ou teatros, ao mesmo tempo em que é marcada pela presença de muitos terrenos baldios, vagas, espaços abertos vivos para fazer cultura. Nesse contexto, o Parque da Solidariedade cumpre um papel fundamental na cidade enquanto um ponto cultural capaz de catalisar as iniciativas culturais e produções artísticas locais. Isso fez a necessidade dos próprios moradores se perceberem enquanto museus de ações ampliados, transformando as terras improdutivas em espaços compartilhados, hortas comunitárias e artistas baldios: pessoas que fazem do impossível a reconstrução de um mapa.
Através das ações ambientais e culturais do Parque da Solidariedade e Museu Baldio, foi instaurado pelo Ministério Público o acompanhamento do Plano de Recuperação Ambiental da área degradada. Também aconteceu a transferência de um fragmento florestal conservado do parque para o poder público, onde transita o processo de instauração de parque. Já as áreas erosivas foram cercadas para se cumprir a primeira etapa de proteção de área de preservação ambiental permanente, aguardada pelo Ministério Público, desde 2020.
Desde 2013, o Museu Baldio (Parque) transita no espaço público e privado, onde participa com obras da cultura baldia inseridas na agenda coletiva de associações, instituições, organizações, com suas diversas temáticas: Casa de Cultura Mario Quintana, Vila Flores, Festival Kino Beat, Instituto de Artes da UFRGS, UERGS, IFRS – Campus Alvorada, Faculdade de Arquitetura da UFRGS, Aliança Francesa Porto Alegre; Instituto Goethe Porto Alegre, MARGS, Centro Cultural Érico Veríssimo. Essas ecologias culturais mostram como o projeto contribui e contribuirá para o campo da arte, natureza e tecnologia.
Estamos vivendo um período de emergência climática e enfrentamos dúvidas sobre o futuro. A luta do Parque da Solidariedade é sobretudo pela preservação ambiental, já que a área possui nascentes do arroio Feijó, da bacia hidrográfica do rio Gravataí. Baseado nas conversas, em pesquisas territoriais, mapeamentos culturais e geográficos, veio a reivindicação da preservação natural e cultural das nascentes e áreas verdes dos bairros, buscando atender os direitos básicos do alvoradense.
Na última década, foram-se coletando, registrando e construindo as memórias narradas no acervo do Museu Baldio. Um filme sobre a ecologia de um parque fictício que envolveu centenas de pessoas será um material educativo, e quem sabe um manual criativo para as emergências que estamos vivendo.
Persistimos no ponto em que não existe qualidade de vida sem qualidade ambiental. A intenção do documentário é mostrar que a cidade-dormitório está acordada e atua em pequenas revoluções políticos-culturais, que ultrapassam a relação de trabalho e dependência que existe com a capital. Precisamos contar que não estamos na margem do centro: somos o centro de outra história. Nem sempre com as melhores condições e ferramentas, mas com ótimos resultados. O que nos deixa fortes e preparados para trabalhar com as condições ideais na construção de novas paisagens no audiovisual popular gaúcho.
Como
O Parque Fictício existe no vínculo recíproco entre as pessoas, sendo o resultado do encontro entre fatores históricos, simbólicos, materiais e imateriais da cidade de Alvorada. Na última década, as ações realizadas e contadas por vídeos caseiros e profissionais O projeto é uma ação complexa e contínua, distribuída pela cidade por seus moradores e animais, isolados ou em bando, que atuam direta ou indiretamente no Parque.
Os personagens do filme são ambientalistas, artistas, pesquisadores, produtores culturais, vizinhos e sonhadores, que decidem criar um Parque para interagir com a cidade de maneira mais autônoma e ética. Badlands tem como proposta apresentar a cidade pelo ponto de vista dos próprios moradores ao abordar questões como trabalho, espaços culturais comunitários, mirando outros futuros possíveis. O curta vai explorar o conceito de cidade-dormitório e apresentar a cidade sob outra perspectiva, em oposição a versão midiatizada de violência e inércia política que ela carrega. Para além de apresentar um movimento que acontece em determinada localidade geográfica do sul do país, o documentário pretende elucidar uma questão mais ampla que abrange todo o território nacional: como a cultura e a arte são dispositivos capazes de “acordar” uma cidade-dormitório, ativando pontos de fuga, lazer e sonhos nos moradores, que cansam com a rotina de deslocamento diário para trabalhar na capital. Essa noção de margem e fronteira será abordada no documentário através da água, já que um arroio faz o limite natural entre Alvorada e Porto Alegre.